A VERDADE ESTÁ MORTA?

Houve um tempo.

Houve um tempo em que uma palavra tinha o peso de verdade. O dito tinha valor de verdade. Promessa tinha peso de dívida. Houve um tempo. Mas isto foi esquecido e hoje a palavra é leviana.

Houve um tempo em que papel e caneta bastava. Uma assinatura, portanto, valia como estatuto de verdade. Mas o papel também podia ser enganado e formas mais efetivas e engenhosas de garantir sua verdade precisaram e são ainda hoje desenvolvidas. Houve um tempo em que o papel valia. Hoje, desconfiamos até mesmo do dinheiro.

Houve um tempo em que uma foto bastava. E, portanto, aquilo que era capturado pelo furo de uma câmera não podia ser desmentido. Mas aprendemos a fazer montagens e hoje códigos de programação constroem figuras humanas tão idênticas quanto as de verdade.

Então recorremos ao vídeo. Houve um tempo em que eles bastaram. Mas esse tempo não durou muito, porque, mesmo ao vivo, distorcemos e reconstruímos rostos e vozes.

Os vídeos não servem mais para nada. São delicadamente cortados e depois remontados com a precisão de um cirurgião.

Houve um tempo em que uma notícia bastava. E o jornal publicava a verdade. Mas hoje recusamos as notícias, elas são fake, seja a compartilhada, seja aquela que vem da grande mídia.

Houve um tempo.

Confiamos na ciência, mas ela mentiu e seguiu os rumos gananciosos e obscuros do capitalismo desmedido. Mentiu sobre quem somos, ferindo nosso mais íntimo. Criou patologias unicamente para lucrar.

Houve um tempo em que sabíamos quem éramos. Hoje não sabemos mais. E, por não saber, nos agarramos às imagens cada vez mais fugazes de nós mesmos, ameaçados à própria desintegração e a uma história inscrita nunca em mais que fumaça. Tornamo-nos, assim, adictos ao movimento e ao consumo.

Algo está podre no coração da nossa sociedade. E este algo é a própria verdade.

A falência do estatuto da verdade não vem sem consequências: se tudo pode ser mentira, então qualquer coisa pode ser verdade. Por mais estapafúrdio que seja. E isso é assustador. Tão terrível quanto o medo da morte, pois, sem verdade, não somos nada e nem ninguém.

Para nos defender, nos agarramos à nossa própria verdade. A ordem do momento é refutar o outro. Não há mais espaço de diálogo. A troca é impossível. Construímos muros e esquecemos das pontes.

Em que vamos acreditar?

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