Pode parecer estranho ou até difícil de compreender, mas o amor nasce do não. Isso quer dizer que o não é condição essencial para o amor. Sem ele, o amor não existe. Para entender isso, antes, é preciso entender: o que é o amor?
O amor nasce do anseio de se tornar completo. Ele brota da ilusão e do desejo de cumprir à fantasia de plena realização. Amar é dar o que não se tem, propunha Lacan. É oferecer a nossa falta para que possa ser preenchida.
Por isso, o amor é um desejo de união, de tomar a parte que nos falta como nossa num corpo único.
O amor, nesse sentido, é egoísta. Ele é, neste primeiro momento, narcísico. Ele parte do reconhecimento de que algo nos falta, de que não somos completos. Busca, à moda de um espelho, completar a própria imagem. Mas apenas isso não é o bastante: ele precisa amadurecer.
Amar é dar o que não se tem a que não o quer, continua Lacan. Com isso, sinaliza que o outro nada quer saber daquilo que nos falta. Que, ele também, busca oferecer a sua falta. Ou melhor, tem seus próprios desejos singulares que busca preencher.
É deste segundo não que é feito o amor. O não do respeito. O não que marca a liberdade do outro. E a nossa.
O amor maduro suporta o não. E, por suportar não possuir o outro, é que pode ser amor. É precisamente no não, quer dizer, nessa falha, nesse espaço, que algo pode nascer. Descobre que não tem problema a imagem quebrada, pois são justamente essas fraturas no espelho que possibilitam o encontro com o outro.
Quando o amor tolera o outro em sua diferença, pode se enriquecer. Quando suporta algo além de deu reflexo, pode crescer. Quando aceita não possuir e controlar, pode não sufocar.
Para amar, ninguém precisa ser de ninguém.