O ÓDIO E AS FILHAS DE MÃES NARCISISTAS

Dentre as muitas coisas importantes que uma mãe narcisista nega a seus filhos está a função positiva do ódio. Isso pode trazer muitas consequências, tais como ditar a repetição de padrões abusivos em relacionamentos, dificuldade extrema em estabelecer ou colocar limites pessoais – às vezes levadas ao extremo de impossibilitar o reconhecimento da própria identidade –, comportamentos autodestrutivos, como tricotilomania, adicção e comportamentos compulsivos.

Cabe destacar que o ódio, como parte das pulsões agressivas, cumpre função fundamental na trama intersubjetiva. A primeira delas, destacada já por Freud em 1915 é a da própria estruturação e afirmação do Eu, ingredientes essenciais para a criação de uma identidade. Para além disso, figura dentre as funções saudáveis e positivas do ódio o estabelecimento de limites pessoais, sendo, portanto, de grande importância para os relacionamentos. 

Vamos entender: se você coloca a mão no fogo, você sente dor, não é? Se você não sentisse, o risco seria de perder a mão. Da mesma forma, o ódio tem como função produzir afastamento nas relações. E se ele não estiver presente?

Filhos de mães narcisistas tendem a ser dóceis. Muitas vezes são incapazes de se defender e estabelecer esses limites. Fazem isso porque aprenderam a não reagir aos abusos, mas a se dobrar a eles. Por isso podem se tornar presas fáceis para toda sorte de abuso.

Mas, antes de prosseguirmos, cabe definir: o que é uma mãe narcisista?

Uma mãe narcisista vê seus filhos como espelho. Isso traz muitas consequências para o vínculo. A primeira e, talvez, mais óbvia delas, é usar os filhos como extensão de si mesma. Esse será o filho troféu de quem ela roubará sempre os créditos, das formas mais sutis ou declaradas, e que irá controlar ao ponto de não permitir que tenha uma vida ou faça escolhas próprias. A segunda e muito mais sofrida é através da rivalidade: vendo um(a) filho(a) como igual, o que se instala é uma situação de competição que é mais comum quando falamos do sexo feminino. O que decorre disso são constantes ataques.

Em ambos os casos, o que ocorre é uma relação onde não há respeito ao espaço privado dos filhos e de cultivo de certa dependência, uma vez que a inabilidade de perder é também uma das características de uma mãe narcisista.

Uma mãe narcisista é incapaz de amar porque é incapaz de ver seus filhos como donos de si mesmos, apenas como projeção de seus ideais. O que ela deixa, portanto, claro nessa relação, é que ela só ama quando o que ela quer é atendido. Do contrário, o que exibe é sua faceta de ódio.

Neste cenário, não são raros os ataques, sejam eles à integridade física ou psíquica (autoestima) de seus filhos. Mesmo assim,  as funções do ódio podem ficar severamente prejudicada nesses filhos, trazendo inúmeras consequências. Mas por que isso ocorre?

MEDO DE RECONHECER O ÓDIO MATERNO

Para toda a cria humana, a dependência da mãe é algo ditado pela natureza. Sem alguém que o zele e cuide, o filhote de humano está fadado à morte. Essa dependência se prolonga por toda a infância, já que o processo de amadurecimento em nossa espécie é lento. Nesse cenário de extrema dependência física e afetiva, enxergar ódio nessa relação poderia colocar um(a) filho(a) numa posição de terror. Para não ter que lidar com isso, é comum recorrer ao mais básico dos mecanismos de defesa: a negação.

As cenas de ódio, em análise, muitas vezes são vistas, mas não são sentidas ou não são sentidas em toda sua intensidade, de modo que parece surpreendente ao filho(a) de mãe narcisista reconhecer a violência delas.

Não reconhecer o ódio ou a destrutividade nos outros é uma consequência disso. Por isso mesmo, é comum que filhos de mães narcisistas caiam sucessivamente em relacionamentos abusivos de toda ordem, seja afetivo, profissional ou outros. O risco oferecido pelo outro pode ficar turvado para a percepção, às vezes até mesmo elevado ao patamar da invisibilidade.

MEDO DE RECONHECER O PRÓPRIO ÓDIO

Suportar as pulsões agressivas de um filho é parte fundamental para um desenvolvimento saudável do psiquismo. Está dentro do que Donald Winnicott conceitualizou como função da continência materna. É justamente a capacidade de suportar, interpretar e dar sentido a esse conjunto de pulsões que permitirá que o(a) filho(a) saiba lidar com elas.

Quando isso não ocorre, quando a criança é severamente castigada ou quando o ódio não pode ser sentido porque a vinculação é tão frágil que não o suporta, algumas consequências podem se atravessar em seu desenvolvimento.

Os comportamentos autodestrutivos são as primeiras delas, já que a culpa por ter sentido ódio, por vezes, pode se voltar contra si. Nesses casos, a tricotilomania ou mesmo os vícios podem surgir como forma de se punir, bem como formas de autossabotagem. Comportamentos obsessivos como os do TOC, na maioria das vezes expressamente associados ao medo da mãe morrer, podem também se apresentar.

A inaptidão ao ódio pode provocar uma espécie de impossibilidade em se estabelecer defesa, que pode se estender desde à dificuldade de dizer não, até mesmo à perpetuação de padrões abusivos.

Vale lembrar que uma mãe narcisista recompensa a docilidade de seus filhos frente a suas demandas, portanto, a promessa de que o outro mudará ou será bom ou mesmo de que toda a relação depende do comprometimento de um é bastante comum em filhos de mães narcisistas.

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7 comentários Adicione o seu

  1. Erica disse:

    Lendo seu artigo ( que me impactou profundamente) vejo que eu sempre tive diversos problemas gerados (imagino eu) pela raiva contida… bruxismo, baixissima autoestima, diversos relacionamentos abusivos, dificuldade em priorizar minhas necessudades, entre outros. Tive uma mae muito fria e agressiva. Ha pouco tempo tenho lido sobre maes narcisistas… e é duro dizer mas reConheço minha mae em mtas passagens desse texto. Ela sempre rivalizou comigo e só uma das 5 filhas é a filha de ouro. A que é homessexual, zero vaidosa e totalmente submissa. Vive a vida para minha mae. Estou impactada e gostaria de ler mais a respeito. O que fazer se reconhecemos essa mae narcisista? Afastar-nos? Como nos tornar imunes a ela? Agradeco se puder falar mais a respeito.

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    1. Oi, Érica! Sei como é difícil reconhecer esse padrão, mas também sei como isso pode ser libertador. Talvez a solução possa, sim, ser se afastar. Mesmo sendo uma mãe, em alguns casos pode ser a única forma de conservar a sanidade, mas não que seja fácil. Em algum momento pode ser bem importante trabalhar tudo isso também em uma terapia, já que os traumas podem ser bem profundos. Não existe uma fórmula, nesse caso. Se aventurar em si mesma é uma viagem para a qual você precisa ser seu próprio mapa.

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      1. Paula Rubio disse:

        Que bonito isso que você falou, realmente eu muito legal.

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  2. Odineia Marques de Oliveira disse:

    Só Deus sabe! O quanto sofrí com meus pais narcisistas.
    Último dia 12 de julho, num domingo às 03:30 ele partiu desta vida.,
    Em meus braços. Fui uma espécie de robô, me criaram apenas para acatar ordens e jamais questionar.
    Tudo o que me restou, são traumas, seqüelas, vários problemas irreversíveis por conta dessa familia disfuncional.

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    1. Sinto muito pela sua história. Mas, se sobreviveu a tudo isso, certamente ainda restou algo digno de valor e muito diferente desse robô que você me descreve. 🙏

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  3. Joyce Marques disse:

    Lendo cada vez mais entendo que tenho uma mãe narcisista uma pena q não percebi a tempo de me prejudicar… Quando me afastei dela o ódio dela por mim foi tanto que ela manipulou uma história e armou para que eu fosse presa. “Na cabeça doentia dela ela ficaria com meu marido e meu filho”, demorei para conseguir ficar livre e provar q não fiz nada a ela… Foi muito difícil eu ter q aceitar tudo isso afinal a sociedade nós ensina q devemos amar as nossas mães indiferente de quem seja. Mas no meu caso é impossível.

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    1. Sinistra a sua história. Nesse caso, pode mesmo ser impossível amar – e nada saudável!

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