Viver uma relação abusiva pode ser como habitar uma prisão sem grades. Não basta simplesmente dizer saia e pronto. Quem dera fosse tão simples assim!
Quem não sai de relação abusiva é porque não consegue. É porque está paralisado(a) psiquicamente. E não tem nada de certo nisso! Com certeza é algo que merece atenção e ajuda. E não adianta de nada dizer para uma vítima de relação abusiva que ela não tem autoestima. É o mesmo que dizer que o problema de um depressivo é que ele não tem energia ou que o problema de um alcoolista é que ele é viciado: além de não ajudar em nada a resolver o problema e apontar apenas o óbvio, isso faz com que a pessoa se sinta pior, o que tende a dificultar ainda mais as coisas.
Mas você sabe por que é tão difícil assim sair desse tipo de relação? Entenda aqui alguns motivos.
POR ACREDITAR QUE O OUTRO PODE MUDAR
Com muita frequência, quem está numa relação abusiva investe muito acreditando no amor. Pouco a pouco, abdica da própria identidade, das coisas que faz, dos amigos e do Eu. Tudo pode ter um começo sutil, com exigências escondidas em pedidos de carinho ou por trás de um ciúme ‘bonitinho’. Quando a aposta é tão alta, como aceitar que tudo está errado? As promessas que, do outro lado, estão presentes desde o início do relacionamento são sedutoras demais. O sonho de que se sente falta possivelmente nunca existiu, mas exerce fascínio deslumbrante. “Ele(a) vai mudar! Essa é a última vez!” – e a cada passo se mergulha mais na escuridão e fica mais difícil voltar, violando os próprios limites.
Quando tudo o que se tem é o outro, escolher não acreditar nele(a) é se jogar no vazio agonizante.
POR DEPENDÊNCIA FINANCEIRA
Tão paralisadora quanto a dependência emocional é a dependência financeira. Inconscientes do abuso, não raro as vítimas de relações abusivas contraem empréstimos, gastam para além do que tem ou abandonam seus empregos em função do parceiro. O que elas não podem ver é que, logo a frente, sua dedicação amorosa e financeira intensificará ainda mais o seu cárcere. Sem saber o que fazer e sem apoio, o que resta é ficar.
Se o seu amor cobra que você não ganhe nada, ainda que disfarçado de promessas de que você merece todo o mundo, desconfie! Se exige que você ganhe menos (ou mais!) para se sentir confortável, abra os seus olhos!
Não deixe que essa prisão se forme ao redor de você!
POR MEDO DE AMEAÇAS À PRÓPRIA VIDA
Não dá para negar, as ameaças reais existem! Como sair de uma relação quando existe a ameaça real, seja à vida ou à integridade?
Alguns parceiros abusivos recorrem ao extremo da violência: ameaçam matar a vítima e até os próprios filhos, caso o deixem. Cativas dessa relação, quem sofre este tipo de ameaça vive o terror em sua forma mais escancarada. Esse tipo de coação pode também vir na forma de ameaça de suicídio: “se você me deixar, eu me mato”. Culpada, a vítima fica acorrentada a esta relação, responsabilizada pelo outro e incapaz de perceber que abre mão da própria vida pela do parceiro.
E não pense você que este tipo de prisão é exclusiva das mulheres! Os homens também sofrem ameaças contra a vida, além de jurídicas: “se você me deixar, te denuncio na Maria da Penha e te coloco na cadeia”.
Lembre-se: o silêncio apenas fortalece o agressor. Procure ajuda!
PELA CRENÇA DE QUE NUNCA MAIS ENCONTRARÁ ALGUÉM
Dentre os fatores que tornam uma pessoa predisposta a uma relação abusiva figura a baixa autoestima. A crença de nunca ter sido olhado(a) daquele jeito, de ter imaginado jamais encontrar um amor ‘verdadeiro’ são alguns dos motivos que fazem uma relação, mesmo que abusiva, parecer TUDO para a vítima. Abandonar isso é cair no vazio desesperador. A fantasia de ter sido ‘a escolhida’ endossa essa situação. Para tal, é claro, a figura do cafajeste é essencial, uma vez que, para ocupar este lugar, é necessário a existência de outras (isso também pode valer para homens!).
Destruir a autoestima da vítima é parte do abuso perverso. Lenta e sutilmente, o abusador vai corroendo a confiança de sua presa, tornando-a cativa em sua teia. Com frequência, as mesmas características que eram idealizadas na primeira fase do relacionamento são as que são atacadas na segunda. A estratégia para isso pode ir desde a pequenos toques desestabilizadores e subentendidos até a agressões diretas.
Para resgatar a autoestima e a si mesmo(a), é preciso distância e alternativas saudáveis. Redescobrir o próprio brilho é crucial nessa jornada. Você ainda se lembra do que te tornava especial?
POR DUVIDAR DA PRÓPRIA PERCEPÇÃO
O abuso perverso não acontece de forma escancarada; ele é sutil e dissimulado. Através dos cruéis artifícios da manipulação, do paradoxo e da distorção dos fatos (gaslighting), o predador emocional cria verdadeiras fraturas na alma de sua vítima. Assim, a coloca contra si mesma – uma perfeita inimiga. Como resultado, esta passa a acreditar que está louca e se torna incapaz de confiar na própria percepção. Se existe algo errado, deduz que seja nela mesma. É como se bebesse, por vontade própria, pequenas doses de veneno. Este é um tipo de abuso de potencial devastador, equivalente a lavagem cerebral ou torturas de guerra.
Validar o abuso e a dor é o primeiro passo para a libertação. Para isso pode ser vital a ajuda de alguém de fora. Se você conhece alguém nessa armadilha, saiba que sua ajuda e a informação podem ser o único meio de saída!
POR ACREDITAR QUE O ABUSO É AMOR
O que é amor para você?
Para algumas pessoas a própria ideia deste sentimento é uma armadilha. Você acha ciúme bonitinho?! Preste atenção, pois controle não é o mesmo que cuidado. Força e dominação não são o mesmo que masculinidade! Exigir demonstrações sucesso não é valorização da sua masculinidade! O nome disso é servidão. Por acreditarem que essas coisas são amor, o abuso se torna invisível ou mesmo necessário.
Desperte!
Uma relação se torna saudável quando é o amor que a motiva, não o controle ou a obsessão. Quando abre espaço para a diferença e, assim, permite a completa expressão do ser de cada um. Uma relação se torna saudável quando há comunicação, entendimento e confiança. Quando o que se sente no peito é segurança e não medo de perder.
POR MEDO DA SOLIDÃO
Um dos mais poderosos motivos que impedem alguém de sair de uma relação abusiva é o medo da solidão. Mesmo consciente da realidade do abuso, o terror avassalador que a solidão ocasiona pode paralisar a vítima. Isso acontece porque, muitas vezes, já não se tem mais amigos e nem familiares para contar. A vítima de relação abusiva com muita frequência está verdadeiramente sozinha. Abandona seus amigos porque o parceiro não aprova ou tem sua imagem corrompida, de modo que, mesmo os mais próximos, a culpabilizam ao invés de apoiar.
A solidão mais perigosa é a solidão de si mesmo(a). Por isso, se você está em qualquer tipo de relação, não se abandone! Não sacrifique as coisas que você gosta em função do outro.