Mesmo o silêncio pode ser uma forma de violência. De modo perverso e não verbal, é possível conduzir, com certa gentileza, uma vítima à loucura. Duas das ferramentas mais atrozes para isso são o tratamento de silêncio e o apagão afetivo.
Nesses casos, o que o parceiro abusivo procura é colocar o outro sob seu controle absoluto. Não suporta ser contrariado. Mesmo que pareça aceitar com certa simpatia, um clima tenso se instala no ar. Muitas vezes a vítima não consegue identificar de onde ele vem. Suspeita que seja coisa de sua cabeça. Acha que está exagerando ou vendo demais. Pouco a pouco, vai tendo sua própria percepção deteriorada ao ponto de não poder mais confiar em si mesma.
Como formas nefastas e doloridas de castigo, o tratamento de silêncio ou o apagão afetivo surgem com pouco pretexto. Basta que a vítima se desvie do que o parceiro abusivo exige ou até mesmo do que havia pensado. Se ela reagir, o distanciamento frio e o silêncio são usados para castigar e calar.
O ESFRIAMENTO DA RELAÇÃO COMO CASTIGO
No apagão afetivo, há pouca ou nenhuma mudança do ponto de vista comportamental. “O que há de errado?”, a vítima desse tipo de manipulação pode ficar inclinada a questionar, mas a resposta será sempre que não há nada. Enquanto se sinaliza uma coisa verbalmente, mostra-se o completo oposto afetivamente. Trata-se de uma mensagem paradoxal que deixa a vítima confusa e sem outra escapatória senão culpar a si mesma.
Enquanto no aspecto verbal o parceiro abusivo continua o mesmo, do ponto de vista emocional a mudança é tão brusca que “parece outra pessoa” – relatam as vítimas.
Com frequência, o abusador continua respondendo ao essencial. Conserva certa cordialidade formal e fria, criando o efeito de um verdadeiro apagão afetivo.
O SILÊNCIO QUE PODE SUFOCAR
Já no tratamento de silêncio, o castigo é ainda mais terrível. Trata-se de uma forma de abuso que busca impor a própria vontade. Mas vale lembrar: uma relação normal e saudável também pode ter discordância e momentos de afastamento. A diferença aqui é que quem pratica o tratamento de silêncio não tem como objetivo valorizar as emoções ou sentimentos como uma forma de fazer florescer a relação, mas sim de apagar o parceiro, de obrigá-lo a ceder a seus desejos.
Assim, nega-se toda e qualquer comunicação. Não se responde e, por vezes, desaparece por semanas inteiras sem qualquer palavra. A vítima sente o vazio como um vácuo assolador. O efeito é como o de um buraco em uma implosão em seu peito. Se desorganiza. Como estratégia de compensação, pode escrever longos e-mails, mensagens ou cartas que, mais tarde, serão usadas contra ela mesma. O abusador, quando retorna, coloca suas condições: “do meu jeito”. Dolorida e desesperada, a vítima aceita e cede, pouco a pouco, preciosos espaços de sua própria alma.
Neste cenário, a vítima fica sem entender o que aconteceu. Volta-se contra si e assume uma culpa mesmo sabendo que ela não existe. A privação produz um efeito de ativação do desejo. Sente falta do que jamais pensou que precisava. Está posto o cenário da dependência emocional decorrente do abuso.
A ordem perversa é recusar a comunicação. Não importa o que o outro pensa. A mensagem que fica nas entrelinhas é a seguinte: “se não és como quero, inexistes para mim”. Trata-se de uma forma de violência silenciosa que intenciona dizer que o outro não interessa: não interessa seus pensamentos, suas razões ou seus sentimentos. Tudo o que importa é a vontade própria que foi contrariada e, portanto, justifica o castigo.
Este tipo de abuso é sutil, difícil de detectar e pode deixar consequências severas. A ajuda profissional, neste sentido, é essencial no processo do resgate de si mesmo.
Acredito que narcisistas secretos, que exercem o narcisismo de modo velado, sejam mais propensos a usar o tratamento de silêncio.
CurtirCurtir